Julgamento
e autorregulação emocional
Mentes prisioneiras do
julgamento funcionam basicamente vigiando, culpando e punindo. E temem abrir
mão de seus valores e crenças porque a atitude julgadora não elaborada lhes
salvou do desamparo imaginário da infância. Temendo a morte do seu ego apegado
e auto engrandecido pelas certezas e ameaçado pelas dúvidas, seguem
reproduzindo as condições que criam ciclos transgeracionais de sofrimento
transmitindo às novas gerações o pesado fardo superegóico que receberam.
Tornando a vida um pesadelo, julgam baseados nas suas boas intenções, o que
lhes permite inocentar-se de ações que causam danos aos outros, tais como:
impugnar as ações alheias em nome da certeza de que as suas são e estão
corretas, já que só julgam intenções e não o impacto de suas ações. Isso favorece
a lógica do castigo como pedagogia, uma vez que sua intenção é louvável. No
entanto, o castigo só aumenta a percepção de dor e culpa no castigado e não a
compreensão de que escolhas têm consequências. Isso faz com que a crença no
modo certo de agir bloqueie a percepção.
A dinâmica punitiva gera um
triângulo imaginário onde as mentes julgadoras estão aprisionadas. Esse
triângulo é composto por agressor, vítima e salvador. O agressor é o agente
punitivo, a vítima é o que se vê errado e o salvador é o julgamento em si.
Mentes livres buscam
corrigir as ações que deram errado sem necessidade de culpar ou punir. Agem
livres da vergonha, da culpa, da raiva e do medo de errar. O medo passa a
aparecer na possível perda da conexão emocional.
As pessoas rígidas se perdem
tanto de si mesmas quanto do outro quando tentam se regular através da conexão
emocional com o outro uma vez que dão mais importância à validação das suas
crenças e intenções do que à abertura emocional pelo coração, o que só é
possível quando se pode reconhecer a natureza das emoções livre do julgamento.
Já que não conseguem validar seus sentimentos, buscam justificá-los, quando
fazem contato com eles. Quando se sentem bem em relação a si mesmos e aos
outros, costumam comparar-se com os outros aumentando o valor de si próprios
como se estivessem numa competição para serem os melhores, manifestando, mais
uma vez, sua predisposição ao julgamento em lugar do apreço e do contentamento.
O crescimento da criança autorregulada
pelo apoio e estímulo ao crescimento resulta em adultos capazes e mais seguros
de si. Isso cria vínculos baseados na corregulação emocional. Já crianças
que crescem em ambientes julgadores e punitivos se tornam adultos inseguros,
rígidos e medrosos porque quando erram se sentem culpados e desprotegidos em
vez de estimulados a buscar acertar.
A insistência em punir é uma
tática pedagógica eficaz para criar incompetentes, perdedores, mentirosos,
sujeitos ao medo e pânico. Ou seres rígidos que não conseguem criar nada de
novo.
Pais criados no sistema
punitivo que realmente desejam o melhor para seus filhos devem procurar
libertar-se das prisões mentais em que estão, sem nenhuma necessidade de punição.
Devem buscar novas visões, ideias e métodos para então dar aos filhos a
oportunidade de crescimento pessoal baseado em autoestima e senso de eficácia.
Enquanto escravos do certo ou errado pouco ou nada entendem o que é agir desde
uma base probabilística de acerto, que gera autoestima e não ansiedade e terror.
Podemos identificar 3 tipos
de pessoas que exercem a paternidade de forma rígida.
O primeiro é o amoroso que apoia,
mas cobra que filhos devem reconhecer seus esforços para que eles sejam aquilo
que é idealizado pelos pais. O fracasso é tão temido quanto a morte uma vez que
este representa "não ser ninguém". Geralmente esses filhos se
identificam com essa postura e tendem ao perfeccionismo, à ansiedade e ao
pânico.
O segundo tipo é frio e
emocionalmente distante. Mas, cobra muito e dá pouco. Esses filhos tendem à
depressão pois nunca se sentem à altura das expectativas dos pais.
O terceiro é o moralmente
sádico. Exige desempenho com ameaças de punição pelo abandono e nunca está
satisfeito com os resultados pois, para se manter seguro da sua superioridade
sendo sempre o certo precisa diminuir os filhos enfraquecendo suas capacidades
para seu próprio engrandecimento. Está sempre raivoso e crítico com falas
ameaçadoras e promessas de castigo. Gera filhos incompetentes, inseguros, que
desenvolvem neuroses de fracasso ou revoltados, brigões que em pouco evoluem na
direção da assertividade.
Pessoas que vivem entre as
polaridades do certo x errado ou bom x mau estacionaram nesta posição para
evitar a angústia de não saber o caminho da assertividade e da tolerância ao
erro. Testar novas formas para resolver problemas, desde os mais simples do
cotidiano até as dificuldades impostas pelo viver num mundo marcado por agressões,
negligências e sectarismos é, de fato, angustiante. Diante da angústia podemos
não nos reconhecer capazes e senhores de nós mesmos. A angústia é um dos afetos
mais importantes de nossa existência uma vez que nos coloca diante da verdade
exposta por Freud quando diz que o “eu não é senhor em sua própria
morada". A angústia destroça nossas ilusões fazendo com que nossas
certezas percam toda a infalibilidade que inventaram para suportar o fracasso
da impostura.
O caminho para libertar-se
de tal sofrimento é, acima de tudo, aceitar que somos fragmentos de natureza e
que temos consciência e podemos nos reposicionarmos diante do que contraria
nossos desejos de dominar o indominável e controlar o incontrolável. Aceitar
que somos passíveis de tantos infortúnios nos livra do sofrimento de ter que
ser maiores do que somos. Quando vemos que não precisamos mais inventar
disfarces para encobrir nossas vulnerabilidades diante da incapacidade de
controlar tudo e todos que não refletem nossa própria imagem, nos abrimos para
a percepção de que a vida flui melhor em nossos corpos porque nossa energia
vital não precisa mais ficar de prontidão. A percepção de perigo passa a
funcionar baseada em perspectivas, não mais em perigos imaginários.
Pais se tornam mais focados
na tarefa de prover recursos para que seus filhos possam crescer e se tornarem
capazes sem recorrerem a métodos punitivos. Parceiros de relacionamentos
amorosos podem desfrutar da abertura do coração para viverem o potencial energético
de seus corpos liberando energia para os afetos descongelados. Os afetos mais
profundos ficam congelados quando a mente está aprisionada pelo julgamento. O
medo de errar e ter que “pagar por isso” sustenta tensões corporais tão
profundas quanto as raízes do medo que as causaram. Isso inibe a fluidez e a
leveza que permitem que os afetos mais ternos possam brotar.
As relações de trabalho
podem deixar de ser competitivas e individualistas, uma vez que o medo de errar
põe em risco as posições alcançadas e passarem a ser colaborativas e voltadas
para o bem comum. Infelizmente, em muitas organizações e instituições profissionais
as relações estão corrompidas por padrões perversos, sádicos e cruéis em nome
do que é certo, tornando difícil sobreviver a ambientes tão hostis sem
fortalecer defesas eficazes. Porém, quando possível, é necessário diferenciar
quando o medo vem do ambiente e quando vem da própria imaginação para evitar
que se dê “pérolas aos porcos”. Em tais organizações é necessária uma
intervenção que alcance o grupo como um todo.
Olhando para cada um,
individualmente, veremos que é necessário uma auto responsabilização sem a qual
nada vai mudar. Além disso, é preciso considerar que sem uma visão de processo
em nada essas palavras irão ajudar.
A mente julgadora precisa
aprender a avaliar a importância da conexão emocional e sua principal derivada
que é a corregulação emocional.