terça-feira, 26 de março de 2024

Julgamento e autorregulação emocional

Julgamento e autorregulação emocional

Mentes prisioneiras do julgamento funcionam basicamente vigiando, culpando e punindo. E temem abrir mão de seus valores e crenças porque a atitude julgadora não elaborada lhes salvou do desamparo imaginário da infância. Temendo a morte do seu ego apegado e auto engrandecido pelas certezas e ameaçado pelas dúvidas, seguem reproduzindo as condições que criam ciclos transgeracionais de sofrimento transmitindo às novas gerações o pesado fardo superegóico que receberam. Tornando a vida um pesadelo, julgam baseados nas suas boas intenções, o que lhes permite inocentar-se de ações que causam danos aos outros, tais como: impugnar as ações alheias em nome da certeza de que as suas são e estão corretas, já que só julgam intenções e não o impacto de suas ações. Isso favorece a lógica do castigo como pedagogia, uma vez que sua intenção é louvável. No entanto, o castigo só aumenta a percepção de dor e culpa no castigado e não a compreensão de que escolhas têm consequências. Isso faz com que a crença no modo certo de agir bloqueie a percepção. 

A dinâmica punitiva gera um triângulo imaginário onde as mentes julgadoras estão aprisionadas. Esse triângulo é composto por agressor, vítima e salvador. O agressor é o agente punitivo, a vítima é o que se vê errado e o salvador é o julgamento em si. 

Mentes livres buscam corrigir as ações que deram errado sem necessidade de culpar ou punir. Agem livres da vergonha, da culpa, da raiva e do medo de errar. O medo passa a aparecer na possível perda da conexão emocional. 

As pessoas rígidas se perdem tanto de si mesmas quanto do outro quando tentam se regular através da conexão emocional com o outro uma vez que dão mais importância à validação das suas crenças e intenções do que à abertura emocional pelo coração, o que só é possível quando se pode reconhecer a natureza das emoções livre do julgamento. Já que não conseguem validar seus sentimentos, buscam justificá-los, quando fazem contato com eles. Quando se sentem bem em relação a si mesmos e aos outros, costumam comparar-se com os outros aumentando o valor de si próprios como se estivessem numa competição para serem os melhores, manifestando, mais uma vez, sua predisposição ao julgamento em lugar do apreço e do contentamento.

O crescimento da criança autorregulada pelo apoio e estímulo ao crescimento resulta em adultos capazes e mais seguros de si. Isso cria vínculos baseados na corregulação emocional.  Já crianças que crescem em ambientes julgadores e punitivos se tornam adultos inseguros, rígidos e medrosos porque quando erram se sentem culpados e desprotegidos em vez de estimulados a buscar acertar.

A insistência em punir é uma tática pedagógica eficaz para criar incompetentes, perdedores, mentirosos, sujeitos ao medo e pânico. Ou seres rígidos que não conseguem criar nada de novo.

Pais criados no sistema punitivo que realmente desejam o melhor para seus filhos devem procurar libertar-se das prisões mentais em que estão, sem nenhuma necessidade de punição. Devem buscar novas visões, ideias e métodos para então dar aos filhos a oportunidade de crescimento pessoal baseado em autoestima e senso de eficácia. Enquanto escravos do certo ou errado pouco ou nada entendem o que é agir desde uma base probabilística de acerto, que gera autoestima e não ansiedade e terror.

Podemos identificar 3 tipos de pessoas que exercem a paternidade de forma rígida.

O primeiro é o amoroso que apoia, mas cobra que filhos devem reconhecer seus esforços para que eles sejam aquilo que é idealizado pelos pais. O fracasso é tão temido quanto a morte uma vez que este representa "não ser ninguém". Geralmente esses filhos se identificam com essa postura e tendem ao perfeccionismo, à ansiedade e ao pânico.

O segundo tipo é frio e emocionalmente distante. Mas, cobra muito e dá pouco. Esses filhos tendem à depressão pois nunca se sentem à altura das expectativas dos pais.

O terceiro é o moralmente sádico. Exige desempenho com ameaças de punição pelo abandono e nunca está satisfeito com os resultados pois, para se manter seguro da sua superioridade sendo sempre o certo precisa diminuir os filhos enfraquecendo suas capacidades para seu próprio engrandecimento. Está sempre raivoso e crítico com falas ameaçadoras e promessas de castigo. Gera filhos incompetentes, inseguros, que desenvolvem neuroses de fracasso ou revoltados, brigões que em pouco evoluem na direção da assertividade.

Pessoas que vivem entre as polaridades do certo x errado ou bom x mau estacionaram nesta posição para evitar a angústia de não saber o caminho da assertividade e da tolerância ao erro. Testar novas formas para resolver problemas, desde os mais simples do cotidiano até as dificuldades impostas pelo viver num mundo marcado por agressões, negligências e sectarismos é, de fato, angustiante. Diante da angústia podemos não nos reconhecer capazes e senhores de nós mesmos. A angústia é um dos afetos mais importantes de nossa existência uma vez que nos coloca diante da verdade exposta por Freud quando diz que o “eu não é senhor em sua própria morada". A angústia destroça nossas ilusões fazendo com que nossas certezas percam toda a infalibilidade que inventaram para suportar o fracasso da impostura. 

O caminho para libertar-se de tal sofrimento é, acima de tudo, aceitar que somos fragmentos de natureza e que temos consciência e podemos nos reposicionarmos diante do que contraria nossos desejos de dominar o indominável e controlar o incontrolável. Aceitar que somos passíveis de tantos infortúnios nos livra do sofrimento de ter que ser maiores do que somos. Quando vemos que não precisamos mais inventar disfarces para encobrir nossas vulnerabilidades diante da incapacidade de controlar tudo e todos que não refletem nossa própria imagem, nos abrimos para a percepção de que a vida flui melhor em nossos corpos porque nossa energia vital não precisa mais ficar de prontidão. A percepção de perigo passa a funcionar baseada em perspectivas, não mais em perigos imaginários.

Pais se tornam mais focados na tarefa de prover recursos para que seus filhos possam crescer e se tornarem capazes sem recorrerem a métodos punitivos. Parceiros de relacionamentos amorosos podem desfrutar da abertura do coração para viverem o potencial energético de seus corpos liberando energia para os afetos descongelados. Os afetos mais profundos ficam congelados quando a mente está aprisionada pelo julgamento. O medo de errar e ter que “pagar por isso” sustenta tensões corporais tão profundas quanto as raízes do medo que as causaram. Isso inibe a fluidez e a leveza que permitem que os afetos mais ternos possam brotar.

As relações de trabalho podem deixar de ser competitivas e individualistas, uma vez que o medo de errar põe em risco as posições alcançadas e passarem a ser colaborativas e voltadas para o bem comum. Infelizmente, em muitas organizações e instituições profissionais as relações estão corrompidas por padrões perversos, sádicos e cruéis em nome do que é certo, tornando difícil sobreviver a ambientes tão hostis sem fortalecer defesas eficazes. Porém, quando possível, é necessário diferenciar quando o medo vem do ambiente e quando vem da própria imaginação para evitar que se dê “pérolas aos porcos”. Em tais organizações é necessária uma intervenção que alcance o grupo como um todo.

Olhando para cada um, individualmente, veremos que é necessário uma auto responsabilização sem a qual nada vai mudar. Além disso, é preciso considerar que sem uma visão de processo em nada essas palavras irão ajudar. 

A mente julgadora precisa aprender a avaliar a importância da conexão emocional e sua principal derivada que é a corregulação emocional.