segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O que queremos do amor? E o que damos a ele?

Desde cedo aprendemos que o amor está no outro, a começar pela mãe. Os mais sortudos carregam dentro de si a certeza de que “são dignos de amor” e se convertem em seres amorosos. O que manifesta então a crença de que “são dignos de amar”. Podem amar com a mesma segurança de quem sabe que é amável. Podem proferir seu desejo de amar sem grandes aflições pois no fundo sabem que, mesmo que alguém lhes recuse e isso cause alguma dor, poderão superá-la e encontrar outro com quem possam compartilhar sua capacidade. O ser amável contém em si a capacidade de amar e ser amado. Dar e receber. Em síntese, a paixão e a ternura se mesclam dando um colorido especial ao encontro amoroso. (Neste momento, busco a melhor definição da capacidade de amar que possa transcender à relação sujeito-objeto, mas não encontro.) Mas, nem todo mundo pode se reconhecer realizado neste campo. Carregamos um grande número de “Estados de Ego (EE)” cheios de negatividades quanto ao quesito amor. Mágoas, ressentimentos, dor, perdas, fracassos, ódios, culpas, vergonhas, etc. A maior parte destes EE se formam ainda muito precocemente, quando a criança não tinha poder de discernimento. A autoproteção é uma função que se desenvolve a partir da capacidade de proteger oferecida pelos adultos. As falhas deste processo se transmitem transgeracionalmente, de forma inconsciente. É por isso que Freud dizia que podemos fazer qualquer coisa para evitar que nossos filhos tenham neuroses, pois nada irá funcionar (!).  E é também de forma inconsciente que vamos adotando estas experiências como referências na construção de um senso de identidade. Aos poucos, sem perceber, atravessamos a infância e a adolescência construindo noções de “eu” que variam conforme a natureza das experiências. O bebê tão querido pode se deparar inesperadamente com um estado emocional  negativo manifesto na mãe que lhe ressoa  como se fosse seu. A fada e a bruxa que se revezam no imaginário infantil se tornam partes da ideia de eu. “Criança boa X criança má” surgem da relação entre “mãe boa X mãe má” formando as noções de “eu bom X eu mau”. A dose de agressão e de amor deve ser suficiente para construir EE que se reconheçam capazes de superar frustrações e enfrentar perigos. Crianças superagredidas desenvolvem tanta fragilidade quanto as superprotegidas.  Uma criança apoiada e bem sucedida nos esportes pode se tornar um atleta corajoso e vencedor, que se sustenta por um EE que lhe diz “sou bom... nisso”.  Mas, sua relação com os demais pode ser marcada por conflitos devidos a outros EE que lhe dizem que não é digno de amor, que fora dos aplausos obtidos em suas vitórias se sente “um lixo”, etc.  Assim é com a maioria das pessoas. Alguns possuem uma enorme tendência a fracassar devido à complexidade dos EE que desqualificam o “sou capaz”. O maior problema por trás de tais fracassos não é a intensidade das memórias nem a força das emoções negativas ali encontradas, mas sim a força e intensidade da identificação com tais EE.  O desenvolvimento de capacidades intelectuais ou físicas não anula ou ressignifica os EE negativos inconscientes ou não, pois estes se alimentam secretamente da identificação a eles e não da sua existência em si. Creio que aí se encontra a raiz da insegurança no desenvolvimento e expressão da capacidade de amar. Para amar é preciso abertura e exposição de si mesmo e do corpo. O medo de amar tem a ver  com o medo do sofrimento contido nos EE que revelam uma identificação inconsciente com certos núcleos emocionais ocultos por padrões caracterológicos, com raízes corporais profundas. Há dois destes núcleos que são bastante populares: o da rejeição e o da desvalorização.  O medo da rejeição leva a desenvolver indiferença frente ao outro, do tipo: “não preciso de você” ou “ só te desejo se você manifestar seu desejo por mim”.  A necessidade de segurança, de aceitação e de aprovação encobertos criam total escravidão ao desejo do outro como forma de afirmação e compensação. “Quando alguém afirma que me quer, me sinto muito bem. Mas, basta um pouquinho de indiferença para logo o bem-estar acabar”. (Isso pode variar bastante em diferentes formas de neuroses.) Talvez por isso o casamento seja uma instituição regida por tantas leis! E a fantasia de liberdade reside na possibilidade de trocar de parceiros rapidamente. Pois, a qualquer momento, algo pode anular esta ilusória operação psíquica e despertar o indesejável dentro de si mesmo.  Não seria isso o que, para muitos, torna o casamento um cativeiro? A necessidade de segurança se torna uma prisão que leva a busca de uma falsa liberdade pois aponta para o outro e não para si mesmo.
Portanto, parece que queremos do amor ofertado pelo outro um bálsamo para nossas feridas emocionais e não um campo de experiências onde vamos dando vida às possibilidades latentes no fenômeno amoroso.  Dar ao amor a função de sustentar precárias defesas psicológicas contra o medo de ser o contrário do que gostaríamos de ser, não facilita seu florescer.
Se o amor estiver condicionado a modelos precários baseados no medo, no egocentrismo e nas demandas narcísicas dos diversos EE a chance de se neurotizar é muito grande. Como nossa cultura não nos fomenta a capacidade de amar e sim a demanda deste através de um sistema egóico precário e inseguro, desperdiçamos ou limitamos o potencial latente que existe em cada relacionamento, assim como em cada experiência existencial onde o amor pode se manifestar. A felicidade trazida pelo amor não vem tanto do amor que recebemos, mas da entrega aos movimentos involuntários que o amor produz em nosso ser. O amor é uma qualidade da pulsação que está em nós e precisa ser descoberto e protegido para se propagar. Precisa também que acreditemos nele. Portanto, amar é uma arte que depende mais de entrega e criatividade e menos de segurança!

Porém, considerando que nossa formação sócio-familiar-cultural nos deixou uma herança amarga, que cria e preserva barreiras em torno da capacidade de amar, temos que contar com a ajuda dos melhores recursos disponíveis, tais como psicoterapia, meditação e outras formas honestas de autoconhecimento voltadas para a verdade interior e não para a fabricação de novas ilusões criadas por idealizações narcisistas desprovidas de realidade. Que possamos todos acolher também nossas limitações e desfrutar da nossa verdadeira capacidade de amar! (A. Ricardo Teixeira)