O que queremos do amor?
E o que damos a ele?
Desde cedo aprendemos que o amor está no outro, a começar
pela mãe. Os mais sortudos carregam dentro de si a certeza de que “são dignos
de amor” e se convertem em seres amorosos. O que manifesta então a crença de
que “são dignos de amar”. Podem amar com a mesma segurança de quem sabe que é
amável. Podem proferir seu desejo de amar sem grandes aflições pois no fundo
sabem que, mesmo que alguém lhes recuse e isso cause alguma dor, poderão
superá-la e encontrar outro com quem possam compartilhar sua capacidade. O ser
amável contém em si a capacidade de amar e ser amado. Dar e receber. Em
síntese, a paixão e a ternura se mesclam dando um colorido especial ao encontro
amoroso. (Neste momento, busco a melhor definição da capacidade de amar que possa
transcender à relação sujeito-objeto, mas não encontro.) Mas, nem todo mundo
pode se reconhecer realizado neste campo. Carregamos um grande número de
“Estados de Ego (EE)” cheios de negatividades quanto ao quesito amor. Mágoas,
ressentimentos, dor, perdas, fracassos, ódios, culpas, vergonhas, etc. A maior
parte destes EE se formam ainda muito precocemente, quando a criança não tinha
poder de discernimento. A autoproteção é uma função que se desenvolve a partir
da capacidade de proteger oferecida pelos adultos. As falhas deste processo se
transmitem transgeracionalmente, de forma inconsciente. É por isso que Freud
dizia que podemos fazer qualquer coisa para evitar que nossos filhos tenham
neuroses, pois nada irá funcionar (!). E
é também de forma inconsciente que vamos adotando estas experiências como
referências na construção de um senso de identidade. Aos poucos, sem perceber,
atravessamos a infância e a adolescência construindo noções de “eu” que variam
conforme a natureza das experiências. O bebê tão querido pode se deparar
inesperadamente com um estado emocional
negativo manifesto na mãe que lhe ressoa como se fosse seu. A fada e a bruxa que se revezam
no imaginário infantil se tornam partes da ideia de eu. “Criança boa X criança
má” surgem da relação entre “mãe boa X mãe má” formando as noções de “eu bom X
eu mau”. A dose de agressão e de amor deve ser suficiente para construir EE que
se reconheçam capazes de superar frustrações e enfrentar perigos. Crianças
superagredidas desenvolvem tanta fragilidade quanto as superprotegidas. Uma criança apoiada e bem sucedida nos
esportes pode se tornar um atleta corajoso e vencedor, que se sustenta por um
EE que lhe diz “sou bom... nisso”. Mas,
sua relação com os demais pode ser marcada por conflitos devidos a outros EE
que lhe dizem que não é digno de amor, que fora dos aplausos obtidos em suas
vitórias se sente “um lixo”, etc. Assim
é com a maioria das pessoas. Alguns possuem uma enorme tendência a fracassar
devido à complexidade dos EE que desqualificam o “sou capaz”. O maior problema
por trás de tais fracassos não é a intensidade das memórias nem a força das
emoções negativas ali encontradas, mas sim a força e intensidade da identificação
com tais EE. O desenvolvimento de
capacidades intelectuais ou físicas não anula ou ressignifica os EE negativos
inconscientes ou não, pois estes se alimentam secretamente da identificação a
eles e não da sua existência em si. Creio que aí se encontra a raiz da
insegurança no desenvolvimento e expressão da capacidade de amar. Para amar é
preciso abertura e exposição de si mesmo e do corpo. O medo de amar tem a ver com o medo do sofrimento contido nos EE que
revelam uma identificação inconsciente com certos núcleos emocionais ocultos
por padrões caracterológicos, com raízes corporais profundas. Há dois destes
núcleos que são bastante populares: o da rejeição e o da desvalorização. O medo da rejeição leva a desenvolver
indiferença frente ao outro, do tipo: “não preciso de você” ou “ só te desejo
se você manifestar seu desejo por mim”. A
necessidade de segurança, de aceitação e de aprovação encobertos criam total
escravidão ao desejo do outro como forma de afirmação e compensação. “Quando
alguém afirma que me quer, me sinto muito bem. Mas, basta um pouquinho de
indiferença para logo o bem-estar acabar”. (Isso pode variar bastante em
diferentes formas de neuroses.) Talvez por isso o casamento seja uma
instituição regida por tantas leis! E a fantasia de liberdade reside na possibilidade
de trocar de parceiros rapidamente. Pois, a qualquer momento, algo pode anular
esta ilusória operação psíquica e despertar o indesejável dentro de si
mesmo. Não seria isso o que, para
muitos, torna o casamento um cativeiro? A necessidade de segurança se torna uma
prisão que leva a busca de uma falsa liberdade pois aponta para o outro e não
para si mesmo.
Portanto, parece que queremos do amor ofertado pelo outro um
bálsamo para nossas feridas emocionais e não um campo de experiências onde vamos
dando vida às possibilidades latentes no fenômeno amoroso. Dar ao amor a função de sustentar precárias
defesas psicológicas contra o medo de ser o contrário do que gostaríamos de ser,
não facilita seu florescer.
Se o amor estiver condicionado a modelos precários baseados
no medo, no egocentrismo e nas demandas narcísicas dos diversos EE a chance de
se neurotizar é muito grande. Como nossa cultura não nos fomenta a capacidade
de amar e sim a demanda deste através de um sistema egóico precário e inseguro,
desperdiçamos ou limitamos o potencial latente que existe em cada
relacionamento, assim como em cada experiência existencial onde o amor pode se
manifestar. A felicidade trazida pelo amor não vem tanto do amor que recebemos,
mas da entrega aos movimentos involuntários que o amor produz em nosso ser. O
amor é uma qualidade da pulsação que está em nós e precisa ser descoberto e
protegido para se propagar. Precisa também que acreditemos nele. Portanto, amar
é uma arte que depende mais de entrega e criatividade e menos de segurança!
Porém, considerando que nossa formação
sócio-familiar-cultural nos deixou uma herança amarga, que cria e preserva
barreiras em torno da capacidade de amar, temos que contar com a ajuda dos
melhores recursos disponíveis, tais como psicoterapia, meditação e outras
formas honestas de autoconhecimento voltadas para a verdade interior e não para
a fabricação de novas ilusões criadas por idealizações narcisistas desprovidas
de realidade. Que possamos todos acolher também nossas limitações e desfrutar
da nossa verdadeira capacidade de amar! (A. Ricardo Teixeira)